a restinga, bruta delicadeza
- Amanda Talhari
- Jun 25, 2024
- 2 min read

Um dia desses, passando pelo mato em direção ao mar fiquei reparando nessa vegetação em especial. Como pode um mato viver sobre a areia? No sinônimo de árido e inóspito! Mas lá vai a restinga: viver e produzir vida. Cobre dunas, estabiliza mangues, abriga animais, dá contornos ao mar.
Vai se espalhando e tornando frondosa, criando uma rede diversa e intrincada onde espécies e reinos convivem e compõem. A camada de matéria orgânica que sustenta esse mato sobre a areia é bastante fina, as raízes são superficiais - não tem o que buscar lá nas profundezas, num solo pobre em nutrientes, seco, solto, salobro. O que mantém o solo firme, junto, nutritivo, arejado é própria a existência (vida e morte) destas plantas, o trançado delicado de suas raizes. Só tem restinga porque tem restinga… é a própria atividade que garante a atividade. É o próprio vivo que vai criando suas condições de vida.
Uma vez ouvi que a Amazônia não é muito diferente, também é uma terra pobre e cansada, que se torna rica e prolífica justamente pela vida que há sobre ela. Não sei se procede, mas me ajuda a escutar, e pensar sobre a vida. Não cair em esperança nem desesperança.
Condições de vida são exercidas, fortalecidas, criadas… mas não garantidas: onde o humano vai passando "abrindo trilha" a restinga recua e míngua. A areia volta a ser pedra e concha moída que é levada no vento e desmorona quando vem a onda - e pega de surpresa quem não presta atenção. A duna anda, erosão lava, mar avança.
Na restinga tem ação, avaliação, morte, decomposição, recomposição, permeabilidade e inteireza.
O retorno do verde é possível, mas não é automático ou gratuito. É preciso um exercício ativo de não pisar nela, não atrapalhar, para que possa seguir vivendo e se recompondo - sem o peso da sola dos nossos pés bobos que querem atalhos. Mas, para além do "sair da frente", me parece que é possível, e importante, um exercício de compor com ela, de cuidar dessas condições de recuperação e continuidade. Seja do verde, seja da subjetividade.
Me nutre ver essa camada viva de estrutura, sustento e atividade ilustrar tão bem a força e a delicadeza do vivo.












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